CONSTANTINO GUARDADOR DE VACAS E DE SONHOS
Pequeno labirinto de nomes e alcunhas
Tem doze anos, mas não deitou muito corpo para a idade. Ainda está a tempo. Um homem cresce até ao fim da vida, se não em altura, pelo menos em obras e ambições. E nisso promete.
Por voto do padrinho e assentimento dos pais, recebeu no registo o nome de Constantino. É um nome bonito, sim senhor. Na aldeia não há outro igual, e isso é bom, pensou a mãe; escusa uma pessoa de matar a cabeça como em certas casas em que os homens usam o mesmo nome e ninguém se entende. Na Chamboeira conheceu ela uma mulher, a Ti Pirralha, metida num inferno de portas adentro por causa de o marido, o filho e o neto se chamarem António.
Enquanto o rapaz foi pitorro, tudo correu bem. Um era o António Grande, o outro só António e o mais novo o António Pequeno, O rapaz porém, deitou muito corpo, e depressa, enquanto o avô continuou cartaxinho, cartaxinho e melindroso, pois começou a pôr-se de vidro fino quando a mulher lhe chamava Grande, vendo nisso uma artimanha dela para se vingar de certas desfeitas que lhe fazia quando bebia um copo a mais.
«Grandes são os burros», refilava então o velho, muito rezingão, com reumático nas cruzes, umas dores parvas como dentadas de lobo. Mas andou tudo raso naquele casal quando a Ti Pirralha o tratou por António Velho para chamar Novo ao neto, o que incendiou o marido, e de tal jeito que a mulher teve de se esconder três dias em casa duma vizinha.
«Velhos são os trapos!», gritava o António Pirralha chamando corja ao povo inteiro da sua aldeia – que não gostava muito dele, valha a verdade.
Foi isto mais ou menos o que a mãe do Constantino lembrou ao marido para defender o nome escolhido pelo compadre. Constantino era um nome bonito para rapaz.
Alves Redol, Constantino Guardador de Vacas e de Sonhos, Editorial Caminho, Lisboa, 20ª ed, 1990 (pela mão da Soledade)