A Biblioteca sugere-te para este Natal muitas das leituras que possui, sobre o tema mas escolheu este livro para « O Livro do Mês » :
A ÁRVORE DAS HISTÓRIAS DE NATAL - José Jorge Letria, ilust. Viktorya Borshch
O livro tem uma dezena de histórias deliciosas, que se lêem rapidamente e que nos deixam a pensar.
Apresentamos-te aqui uma, para te aguçar o apetite à leitura.
A Noite, a lua e os meninos tristes
Quase vencida pelo peso do sono, a Noite virou-se para a Lua e perguntou-lhe:
- Onde vais passar este ano o teu Natal?
- Vou passá-lo com os meninos mais tristes da rua mais triste da mais pobre das cidades - respondeu a Lua.
- Mas esses meninos - argumentou a Noite - são tão tristes que nem sequer festejam o Natal.
A Lua esboçou um sorriso e respondeu-lhe
- Aí é que tu te enganas. Se eu descer à Terra e for festejar com eles, podes crer que terão um Natal de que nunca mais irão esquecer-se.
A Noite, que era experiente e astuta, considerou essa possibilidade e decidiu colocar à Lua esta questão:
- Mas, se tu desceres à Terra para festejar o Natal com eles, isso significa que eu vou ficar às escuras nessa noite, pois a única luz que verdadeiramente me ilumina é a tua.
A Lua, fingindo nunca ter pensado nessa possibilidade, quis tranquilizar a amiga:
- Mas tu tens a luz dos arranha-céus, a dos candeeiros de rua, a dos projectores dos palcos e dos estádios e das cidades inteiras quando estão iluminadas.
- Tu bem sabes - replicou a Noite, desagradada com os argumentos da amiga - que a luz é mais forte que todas as outras juntas, pois é capaz de iluminar, ao mesmo tempo, ilhas e continentes, aldeias esquecidas e becos escondidos.
- Mas só uma noite não há-de fazer mal, se eu sair do meu posto e for para junto daqueles que mais precisam de mim - disse a Lua, reforçando a decisão que tomara.
- Aí é que tu te enganas - respondeu a Noite -, pois a tua ausência será sinónimo de uma escuridão quase total, e é até bem possível que, ao tomares essa atitude, mudes o curso dos rios e a cadência das marés, o ritmo das colheitas e o ciclo da fertilidade das terras.
- Mas em compensação, deixarei muitas crianças tristes finalmente felizes por terem uma peripécia para contar, numa cidade onde nada acontece, a não ser a tristeza que a pobreza lhes causa - disse a Lua, pesando bem as suas palavras, que eram luminosas e suaves como a claridade que dela provinha.
Decididamente, a Noite e a Lua pareciam incapazes de se porem de acordo quanto à forma como iriam passar a noite de Natal que se avizinhava, saltando casas no calendário. Foi então que a Noite decidiu fazer uma sugestão:
- Bem podias fazer um esforço no sentido de, nessa data, teres a forma de lua cheia. Se tal acontecer, podes muito bem deixar a parte maior a iluminar-me e enviar uma fatia de quarto minguante para entreteres as tais crianças que agora tanto te preocupam.
A Lua reflectiu em silêncio sobre a sugestão que acabara de lhe ser feita e respondeu à Noite:
- Aceito a sugestão, mas vou pô-la em prática ao contrário.
- Não estou a perceber - disse a Noite.
-Eu explico-te: deixo-te uma fatia de quarto minguante para te iluminar e levo a parte maior para alegrar as crianças da cidade triste que já escolhi.
- É preciso teres mesmo má vontade - comentou a Noite, zangada com a amiga.
- Nada disso - respondeu a Lua -, vou apenas dar a parcela maior de luz a quem dela mais necessita.
- E posso saber - perguntou a Noite - de onde te vem um tão forte interesse por essas crianças que ninguém conhece?
- Claro que podes - respondeu a Lua. - Enquanto tu dormes a sono solto, à espera que o dia nasça, eu estou lá em cima de atalaia e vejo hora a hora, minuto a minuto, o que se passa lá em baixo.
- E o que vês?
- Vejo crianças tristes no meio das ruínas das cidades em guerra, procurando alimento no meio dos escombros, com filas de cães famintos seguindo-lhes os passos para as não deixarem sós nessas horas de aflição.
- E o que é que tu tens a ver com isso?- Perguntou a Noite, secamente.
- Tenho tudo, por mais estranho que possa parecer-te. Tenho principalmente muita pena delas porque, quando era pequenina, também fui uma lua triste.
- Só isso? - perguntou a Noite em tom ácido de comentário, como se quisesse rematar a conversa.
- Não, há ainda outra coisa que eu me esqueci de te dizer: qunado elas estão triste e aflitas, sou eu que as ilumino, porque tu só estás preocupada com as tuas horas de sono. Por isso eu sou a luz e a esperança que lhes resta, e é sempre para mim que elas olham quando imaginam que é possível ter esperança. É por isso que este ano eu quero passar com elas a noite de Natal, para elas poderem contar ao mundo que eu fui a sua visita e a sua companhia.
- Será que precisas que eu te apresente outras razões para eu ter feito esta escolha?
A Noite não respondeu, pois tinha acabado de adormecer, já desinteressada da discussão. A Lua, então, calçou umas pantufas feitas com algodão de nuvens e desceu à Terra para se ir encontrar com as crianças mais tristes da rua mais triste da mais pobre das cidades. Quando a Noite acordou, como sempre comodista e nada preocupada com a felicidade dos outros, nem luz teve para encontrar o copo de água de orvalho que costumava beber ao despertar, para limpar os restos da escuridão. Protestou, mas, desta vez, a Lua não lhe respondeu, pois estava cercada de crianças, numa velha praça iluminada, com uma banda a tocar num coreto e com grinaldas de luar encimando as copas das árvores despidas de folhas e tiritando de frio.
Linda, não é?
Pois a outras nove histórias são tão bonitas como esta.
Por isso, passa pela Biblioteca e vem lê-las!