terça-feira, 21 de março de 2023

DIA MUNDIAL DA POESIA

 

SONETO DE INÊS

Dos olhos corre a água do Mondego
os cabelos parecem os choupais
Inês! Inês! Rainha sem sossego
dum rei que por amor não pode mais.

Amor imenso que também é cego
amor que torna os homens imortais.
Inês! Inês! Distância a que não chego
morta tão cedo por viver demais.

Os teus gestos são verdes
são verdes os teus braços
são gaivotas poisadas no regaço
dum mar azul turquesa intemporal.

As andorinhas seguem os teus passos
e tu morrendo com os olhos baços
Inês! Inês! Inês de Portugal.

ARY DOS SANTOS


 

AUTO-RETRATO

Espáduas brancas palpitantes:
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.

NATÁLIA CORREIA


As Amoras
 
O meu país sabe as amoras bravas
no verão.     
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.
   
           EUGÉNIO DE ANDRADE 

Quero


Nos teus quartos forrados de luar
Onde nenhum dos meus gestos faz barulho
Voltar.
E sentar-me um instante
Na beira da janela contra os astros
E olhando para dentro contemplar-te,
Tu dormindo antes de jamais teres acordado,
Tu como um rio adormecido e doce
Seguindo a voz do vento e a voz do mar
Subindo as escadas que sobem pelo ar.

 SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDERSEN


Soneto do amor difícil

A praia abandonada recomeça

logo que o mar se vai, a desejá-lo:

é como o nosso amor, somente embalo

enquanto não é mais que uma promessa...

 

Mas se na praia a onda se espedaça,

há logo nostalgia duma flor

que ali devia estar para compor

a vaga em seu rumor de fim de raça.

 

Bruscos e doloridos, refulgimos

no silêncio de morte que nos tolhe,

como entre o mar e a praia um longo molhe

de súbito surgido à flor dos limos.

 

E deste amor difícil só nasceu

desencanto na curva do teu céu.

              DAVID MOURÃO-FERREIRA


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